
Pero Vaz Caminha desbundou com a exuberância da vegetação que viu ao desembarcar e escreveu uma carta ao rei: tudo que nela se planta, tudo cresce floresta. Era a senha para o saque. Depressa se esgotou o pau brasil e logo se atacou a mata atlântica pra plantar cana. Quando Ana Primavesi chegou ao Brasil, o estrago já era grande. Séculos de uma agricultura predatória, latifundiária, escravagista, o café tomando o protagonismo da cana, se expandindo na devastação das matas, ainda exuberantes, que a terra era muita e os donos poucos.

Invocada que as plantas não viravam floresta, apesar da elevada taxa de fotossíntese (eucalipto, por aqui, vira secular em 8 anos), Primavesi se dedicou a procurar os por quês. O resultado, um livro fundamental pra quem trabalha com agricultura nos trópicos, O Manejo Ecológico do Solo. Uma visão sistêmica sobre solo, plantas, vida, ecologia. Uma agricultura baseada no funcionamento da natureza, adaptada ao lugar onde era praticada. Produtiva e sustentável.

O solo é um ser vivo e dele brota a vida no planeta. Cabe ao agricultor zelar por ele para colher bons frutos. Simples assim. Ana Primavesi estudou, ensinou e praticou agricultura por toda a sua vida. Demonstrou na prática tudo que botou nos livros. Vida. É o que pulsa em toda sua trajetória.

Ligado à agricultura desde a infância e testemunha do desequilíbrio que a dita modernização da atividade trouxe à Serra Grande, acompanhei sempre todas as alternativas ao modelo preconizado pelo sistema agroindustrial. Assim, quando voltei pra roça, trouxe os ensinamentos e exemplos de Ana Primavesi, Adilson Paschoal, José Lutzenberger, Nasser Youssef Nasr, Johanna Dobenreiner, entre outros, e tratei de colocá-los em prática. A reação provocada por proposta tão singela foi desproporcional. Descrença, chacotas, questionamentos brotaram de todos os lados, de revendedores de insumos, de agrônomos e técnicos, de gerentes de banco e até de motorista de caminhão. Imagino o que os citados acima tenham sofrido. Mas a terra respondeu aos bons tratos, outras pessoas compraram a ideia e hoje já são muitos agricultores na Ibiapaba, produzindo alimentos em perfeita comunhão com a natureza. Que se multipliquem. A vida compensa.
