Ou então

“Pois que reinaugurando essa criança / pensam os homens / reinaugurar a sua vida” diz, otimista, o poeta João Cabral de Melo Neto. Pergunto: quantos de nós temos consciência do que estamos comemorando nesta data? Evidente que os que debocham dos que não podem comprar carne, não.

Diferente de outros profetas que se declaram emissários do Altíssimo, Jesus Cristo proclama sua divindade. Não é apenas o mensageiro, é a própria mensagem. Essa ideia de um Deus de carne e osso, vivendo no meio de nós,  provoca uma nova relação do homem com a sua fé. Sai de um plano etéreo para um compromisso com o real cotidiano. Impossível, para quem acredita, dissociar Deus de sua obra.

Jesus não deixa barato. Questiona uma prática religiosa baseada em regras, ritos, oferendas, tudo aparência pra esconder o que dizem as Escrituras. Como podem dizer que acreditam em Deus se destroem, na maior, tudo que Ele criou? Se humilham e maltratam seu semelhante, como se não fossemos todos irmãos? Como cultuar um Deus invisível, se todas as Suas manifestações são ignoradas? Sempre firme, mas sem perder jamais a doçura. A única vez que perdeu as estribeiras foi com os ministros da religião que usavam o templo para negócios e enriquecimento pessoal. Reza bonita, gestual apurado, coreografia ensaiada de nada valem sem a ação de acordo com os ensinamentos.

Uns comemoram a data com uma grande ceia – peru, pernil, presunto, panetones, vinhos finos, cristais. Outros reúnem a família e celebram dentro das possibilidades. Muitos dependem da solidariedade de pessoas de boa vontade para ter um gostinho de natal, como lembra magistralmente Assis Valente. A mídia – jornais, rádios, tvs, sites – logo sairá com os resultados das vendas natalinas, torturando os números até que confirmem a tão proclamada recuperação da economia, que só não alcança os mais necessitados, como mostra o Ipea. Não é mesmo tão peculiar que a economia não sirva pra melhorar a vida das pessoas? Coisa nossa, que nem a jabuticaba.

Pelo que narram os Evangelhos, provavelmente Jesus Cristo comemoraria hoje seu aniversário na casa de um carpinteiro desempregado em nome da moral e do ‘correto funcionamento da economia’. Talvez, aproveitasse pra bater um papo com Francisco, Boff, Stédile e outros que são perseguidos por manter vivos Seus ensinamentos, na construção de um mundo de amor, justiça e respeito, dando azo aos votos do poeta: “e possa enfim o ferro / comer a ferrugem / o sim comer o não”.

Feliz Natal!

Poema Cartão de Natal, de João Cabral de Melo Neto, no livro Museu de Tudo, edição de 1976 da Livraria José Olympio Editora. Pode ser visto aqui. <> Primeira e última foto, Flor do Natal, presente aqui na região e que flora uma vez por ano nessa época. <> Outras fotos, encenação do Natal pelos coroinhas da Paróquia de São José Operário de Ubajara, com os meninos da Associação Estrela Dalva.