Último dia do ano 2000. Fim do ano, fim do século, fim do milênio. Data para reflexões, análises, resoluções. Desde que saímos da faculdade, Rosa e eu sempre estivemos envolvidos com atividades associativas. Cooperativa de trabalho dos profissionais de cinema, associação de fotógrafos de publicidade, associação de pais de alunos, cooperativa agropecuária de Ubajara, associação de produtores de rapadura. Muito esforço e trabalho pra pouco resultado. Decidimos nos dedicar apenas ao nosso sítio, atendendo os clientes que vinham comprar hortaliças e frutas sem veneno.
Acontecimentos atropelam resoluções. Uma reunião no Inhuçu, São Benedito, no dia dos Reis de 2001, resultou na criação da APOI (Associação dos Produtores Orgânicos da Ibiapaba), comigo dentro e atuante. Rosa achava que tinha muito fio solto, eu achava que ligando os fios dava liga. Muitos não viam futuro em associação ou na produção orgânica e vaticinaram que a insanidade não teria mais de seis meses de vida. A APOI continua a existir, hoje como cooperativa, e desmentiu a profecia dos detratores.
Verdade que não foi tarefa fácil. Harmonizar expectativas individuais com um projeto coletivo. Entender que a agricultura orgânica é uma agricultura de processos e não de insumos. Trilhar novos caminhos de comercialização, nem sempre pavimentados, negociando com grandes redes de varejo. Mas no andar da carroça vão se ajeitando os jerimuns e a APOI se torna inspiração para muitos que queriam trilhar o caminho.
As atividades me levaram para fora do Genipapo. Tive a oportunidade de visitar as Cataratas do Iguaçu sem água (frustrante prum cearense, depois de percorrer tantas léguas) e de nadar de muletas no cânion do São Francisco (muita água). Mas o melhor mesmo foi ver as mudanças na atuação dos agricultores com o advento do PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), inovador programa de compras governamentais, instituído em 2003. Até então, este mercado era feudo das grandes empresas do sistema agroindustrial. Sua abertura trouxe melhorias visíveis na organização, na produção e na renda dos agricultores familiares.
Sábios profetas afirmam que não se deve prever o futuro. Insondável, joga por terra as mais honestas resoluções. Talvez por isso, parcela da sociedade brasileira prega, com muito entusiasmo, uma volta ao século XVI. (Os mais radicais, na verdade, propõem uma volta à pré-história, onde não havia códigos ou leis). Fica-se no conforto do conhecido, mesmo que não seja o melhor dos mundos.
Enquanto isso, toco a vida no Sítio Genipapo, aproveitando o sol para fazer banana passa, que a produção tá boa e os consumidores aprovando. Vou me guardar de fazer resoluções até entender em que século vivemos, mas torço ardentemente para os brasileiros optarem pelo século XXI. Já vivi o passado, vivo o presente e o futuro não mete medo. E a vida continua.
