De vento, tempestade e tubarões

Tomei conhecimento de jangadas e jangadeiros ainda criança, em Piracuruca, antes de conhecer o mar. Dele sabia, por gravuras, retratos e histórias, ser imenso e cheio de mistérios. Dos primeiros, pelo relato embevecido da imprensa da saga de Jacaré, Tatá, Manoel Preto e Mestre Jerônimo – jangadeiros cearenses – que foram do Ceará ao Rio de Janeiro, em uma jangada de piúba, pra relatar suas dificuldades ao presidente Vargas. Para o menino, tornaram-se heróis mitológicos, de carne e osso, ali no vizinho Estado.

A façanha correu mundo. Saiu no NYTimes. Chamou a atenção de Orson Welles, no auge da fama. A imprensa enfatizou na cobertura o desassombro dos jangadeiros em enfrentar as dificuldades óbvias da viagem. Deixou em segundo plano sua motivação: denunciar as condições de trabalho da categoria. Parte, pela censura do Estado Novo. Na real, porque sempre escamoteou a verdade sobre as condições de vida dos trabalhadores. Até hoje pessoas com a consciência, a articulação e o desembaraço de Jacaré são um estorvo.

A jangada é um ícone do Ceará. Está no brasão do Estado e presente em todas as praias, hoje disputando espaço com banhistas, barracas, quadriciclos, bugies e extensa fauna de arrivistas. Nos dias de praia cheia são oferecidos passeios aos banhistas que queiram sentir um gostinho de aventura.

O jangadeiro continua com sua faina diária de tirar seu sustento do mar, enfrentando a falta de vento, tempestades e tubarões. Metade do que pesca vai pro dono da jangada, a outra para mão do atravessador. Se o lugar onde mora se presta a um resort vai aparecer alguém com um título de propriedade e terá de mudar dali. De tudo que pleiteou em suas viagens reivindicatórias, restou a aposentadoria, hoje ameaçada. A noção de progresso que nos foi inculcada o condenou ao desaparecimento sem apelação.

Qual será o seu legado?

Fica meu registro pessoal.

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