O tempo voa

Neste mês de fevereiro de 2020, fazem exatos 10 anos que realizei o desejo de muita gente da classe média brasileira: uma visita à Europa. Não exatamente uma viagem de turismo, antes, uma missão. Missão técnica para visitar a Biofach, a maior feira de orgânicos do mundo. Por uma das artimanhas do destino lá estava eu, único agricultor, junto aos técnicos do SEBRAE, participando do evento. Uma experiência incrível, tanto no aspecto pessoal quanto profissional.

Orgânicos do mundo inteiro: Oropa, França e Bahia. O mundo é grande, mas a feira é maior. Enquanto os técnicos se encantavam com os números do segmento diante da crise de 2008 das economias desenvolvidas, eu exercitava a mímica e o inglês macarrônico na conversa com agricultores da Grécia, México, Índia, Espanha, etc. Facilitada pelo fato de termos uma linguagem e práticas comuns há cerca de 10.000 anos. E é aí que a gente vê o significado da fala da diretora do IFOAM, Louise Luttikholt, por ocasião da Biofach 2020: “Organic isn-t a niche – it’s a promise for the future”.

Esse papo de nicho é coisa das redes varejistas pra manter o alimento orgânico fora do alcance da maioria da população. Contam com a ajuda da mídia, incapaz de produzir uma matéria decente sobre o tema, mas com generoso espaço pros chicograçianos da vida demonstrarem toda sua ignorância e preconceito. Na real, o homem adota a produção orgânica, em comunhão com a natureza, desde que se tornou agricultor, há milênios. Ao esquecer disso, enfrentou crises.

Segue a viagem, no meio da neve, que inviabiliza a agricultura parte do ano, tal qual a seca no Nordeste. E eles não têm nenhum programa de obras contra a neve. Esclarecedor. Há tempos, fizeram a reforma agrária. No domingo, uma folga pra explorar Nuremberg, com direito a museus, muralhas medievais e a sua famosa salsicha, do tamanho do dedo mindinho. Depois, visitas a fazendas biodinâmicas, distribuidora de cestas orgânicas e supermercados dedicados ao setor. E enriquecedores bate-papos com os técnicos do SEBRAE, comprometidos com o que fazem. Nos trilhos, correm bondes e trens, compartilhando espaço, numa boa, com carros e pedestres e os ônibus não têm degraus, nem catracas.

10 anos atrás, o Brasil era admirado e respeitado no mundo inteiro. O brasileiro, conhecido pela sua alegria, irreverência e descontração. Usar a bandeira colada na mochila ou manga da camisa era motivo de orgulho, não de vergonha. E a gente acreditava que o planeta receberia o devido cuidado, pelos seus moradores. Não havia hordas, nas redes sociais, ainda incipientes, pregando o retorno à Idade Média, crentes que estão prolongando a vida, quando só aceleram a morte.

Não visitei lojas. Tava liso.