A agricultura industrial, dita moderna, é insustentável e perversa. Longe da nobre função de alimentar as pessoas, produz super safras que deprimem os preços, sufocando o agricultor e fazendo a festa dos especuladores das Bolsas de Mercadorias e Futuro, com a dança das cotações de preço da soja, café e commodities diversas. Adota pacotes tecnológicos que atendem o interesse das indústrias química, de sementes e de máquinas agrícolas, transformando a nobre arte de colher o sol num garimpo predatório. Conta com a generosidade da mídia pra esconder seus desmandos.

Minha ligação com a agricultura vem do berço, como falo por aqui em muitas ocasiões. Enquanto fotógrafo, com muito gosto, fiz trabalhos para publicações especializadas, empresas de assistência técnica e grandes organizações do agronegócio. Em meados dos 1980, fazendo uma matéria sobre o hortão do Nasser Youssef Nars, em Cachoeiro do Itapemirim, decidi voltar às origens e aplicar aquilo na minha terra. Nascia um projeto, que foi embalado com leituras de Ana Primavesi, Adilson Paschoal, José Lutzemberg, Sebastião Pinheiro, autarquias que pregavam a produção de alimentos saborosos e saudáveis, em perfeita comunhão com a Natureza.



Botar a ideia em prática foi uma luta braba. A agricultura tradicional da região foi desmontada pela ‘modernização’ posta em prática nos anos 1970, substituída pela produção de hortaliças e maracujá, no pacote químico (adubos e agrotóxicos) aprovado pelos bancos pra fazer custeio. Uma boa produção e produtividade não garantiam ganho, pois o agricultor dependia da roleta da Ceasa, paraíso dos atravessadores. Se desse bambu, que ele vendesse caro, vaca ou bicicleta pra pagar o banco ou a casa de adubo e veneno. No entanto, propor um modelo alternativo sustentável era coisa de insano, como me disse um gerente de banco e confirmavam agrônomos e técnicos, vendedores da indústria de insumos, com lucros garantidos. Minha primeira tentativa foi articular a cadeia da rapadura, para adequá-la às exigências atuais do mercado. Não rolou, mas mostrou que o caminho era organizar os produtores e a produção.





Organização imprescindível para enfrentar a descrença, ironias, chacotas e perseguição movidas pelos agentes do modo hegemônico de produção agrícola contra a proposta de produzir hortaliças sem veneno. Os próprios agricultores, cujos saberes foram ignorados e menosprezados pelos técnicos, criaram dependência química dos insumos da ‘modernidade’. Era forte a tentação de comprar as soluções prontas numa loja. E era um contrassenso levar a produção pra Ceasa. Uma associação de consumidores e agricultores viabilizou a produção orgânica de uma comunidade. E uma associação de produtores topou o desafio de atender a demanda por este tipo de produção, de uma grande rede varejista. Quebrava-se um paradigma. Muitos dos céticos acabaram se tornando clientes. Nos últimos 20 anos ficou demonstrado que é possível uma agricultura que cuide do solo, das pessoas e de toda forma de vida. E com assunto pra muitas outras histórias. Voltaremos.
