
Quando menino, ouvia meus tios, que sabiam das coisas e do mundo, falar de uma igreja na praia que passara muitos anos soterrada pelas dunas. A mesma conversa tinham os comboieiros que levavam para lá a rapadura e voltavam com o camurupim salgado, única forma de conservação. Morando no sertão e conhecendo a serra, não fazia a menor ideia de como isso era possível. E só bem mais velho me dei conta que a altura do batente da porta e o alicerce da casa descoberto um pouco mais a cada ano era fruto da ação do vento. Atribuía o fato ao varrer diário do terreiro. Prometi a mim mesmo visitar um dia tal igreja para dirimir as dúvidas.




Anos mais tarde conheci o litoral, a areia, as dunas e a força do vento, que constrói esculturas até nas pedras. E catei todas as histórias que pude sobre a tal igreja. Já compreendia então que o inexplicável era o absurdo fato de uma Carta Régia do Reino de Portugal ter doado em sesmaria uma área de terra aos índios Tremembés. Ora meu, eles já viviam por lá quando os europeus nem sonhavam com a existência dessas terras e nunca passaram documento nenhum ao Reino de Portugal. Grilagem viva até hoje no Brasil, onde há no congresso um projeto de lei do governo pra regularizá-la.



No final de 2015, voltando pra casa depois do Natal com a família em Fortaleza, resolvo passar por Almofala. Cumprindo a promessa feita pelo menino 60 anos atrás. Encontro a igrejinha cuidadosamente restaurada com esmero e arte pelo IPHAN, esse desconhecido pela maioria dos brasileiros. Mesmo com a falta de apoio e de verbas, o Instituto teima em conservar viva a memória material e imaterial de nossa gente ao longo da história. Sob o fogo cerrado dos que preferem manter o povo na ignorância de seus feitos e sua força.



Enquanto mostra o interior da igreja, o guia narra os acontecimentos, conforme sentidos pela comunidade. Elucidativo. O vento trouxe e levou a areia, as pessoas saíram e voltaram. Lidando com sabedoria e desassombro com as forças da Natureza, bem mais compreensíveis que as maquinações dos humanos. No presépio, o Menino Jesus na rede (já falado aqui em post anterior) é uma clara leitura da mensagem cristã. Desfeito o mistério dos tempos de criança, ficou o encantamento da visão real. Aqui, o registro da viagem e o convite.

Conheço a igrejinha e achei muito legal o registro histórico.
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